A Arte de Bem Serrar
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Serrar é uma arte dentro da própria arte de ser artesão.
Um dos mestres marceneiros com quem aprendi esta arte, disse-me uma vez que demorou 3 anos para aprender a serrar.
TRÊS anos!
Tal deve-se também ao facto de ninguém o ter ensinado a serrar manualmente, na escola onde estudou. Talvez porque também quem o ensinou a trabalhar com outras ferramentas, não o sabia fazer correctamente, e usava muito as máquinas eléctricas para cortar a madeira e desempenhar as suas tarefas.
Não quero com isto dizer que esta arte não está acessível a qualquer pessoa, porque está.
Serrar a direito é para todos.
No entanto, penso que a maior parte das pessoas que vê alguém a serrar pensa que “serrar a direito é fácil, afinal é apenas trabalho manual, também consigo fazer. Quão difícil será seguir uma linha?”
O que pode correr mal?
No entanto, quando vão experimentar, a serra abana, dobra-se, fazemos força a mais e não conseguimos serrar. Culpamos a madeira, a serra, e não nos olhamos ao espelho para ver onde está o problema.
É como se um emaranhado de emoções, incertezas, dúvidas, conquistas, se concentrassem na lâmina do serrote.
A culpa é sempre dos outros, e não nossa.
Aí a realidade atinge-nos: serrar a direito não é fácil.
Mas está ao alcance de qualquer pessoa.
Requer treino, prática.
Cada serrote tem as suas particularidades, e cada madeira as suas especificidades. Mesmo as madeiras cortadas da mesma árvore, na mesma secção, comportam-se de formas diferentes. Estás a ver as variáveis que podem existir…?
E mesmo que todas as variáveis estejam alinhadas, pode haver sempre a hipótese do corte não sair a direito.
Esta habilidade treina-se, e como qualquer outra arte, é necessário praticar.
Requer disciplina.
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Praticar muitas vezes, até chegar a uma altura em que o que parece estranho e desajeitado ao início, passe intrinsecamente a fazer parte de nós. Implica serrar manualmente sempre que possível, e não usar caminhos alternativos como máquinas eléctricas, que fazem diminuir as nossas habilidades.
Este treino, esta prática, pode contrastar com a inspiração súbita, ou o talento inato, em que podemos pensar que não é necessário treinar.
Quando estou muito tempo sem serrar, os primeiros cortes são um pouco desajeitados, e sinto a necessidade de praticar e fazer alguns cortes extra em madeiras, antes de começar ou retomar um projecto. Ajuda a preparar o cérebro e os músculos para o trabalho que aí vem.
Os prodígios musicais, por exemplo, são muitas vezes citados para suportar esta convicção, erradamente.
O prodígio musical infantil Wolfgang Amadeus Mozart, de facto, trabalhou a sua capacidade de se lembrar de grandes trechos de notas musicais.
Entre os 5 e os 7 anos, Mozart aprendeu como treinar a sua memória musical inata, quando improvisava no teclado do piano.
Desenvolveu métodos para que conseguisse produzir música “espontânea”.
A música que ele mais tarde escreveu parecia espontânea, porque ele escrevia directamente na pauta musical, com muito poucas correcções.
Mas mais tarde, através das suas cartas, veio-se a saber que, muitas vezes, ele via a revia mentalmente as notas musicais antes de as escrever definitivamente em papel.
Devíamos estar um pouco alerta quando se fala de talento inato, de talento não treinado.
É necessário treinar a memória muscular em diversas posições, tal como os músicos o fazem. Os dedos, a mão, o braço, todo o nosso corpo tem memória muscular, e tem que saber a sua posição correcta para desempenhar o melhor possível a tarefa que tem a seu cargo.
Se o cantor treina a voz para os concertos, se um atleta treina para as competições, por que razão haveria de ser diferente treinar a arte de bem serrar?
Existem diferentes tipos de serrotes, cada qual é indicado para o tipo de corte que queremos fazer: se é paralelo ou perpendicular ao veio da madeira, se é superficial ou muito profundo, se é um corte grosseiro ou com precisão.
A juntar a isso, há o facto de existirem serrotes ocidentais e serrotes orientais.
Os mais comuns são os serrotes ocidentais, mas o Japão também tem fama de ter bons artesãos e bons serrotes.
Ao pegarmos numa ferramenta e a tornarmo-la “nossa”, estamos a aprender a sermos donos do nosso próprio destino.
Estamos a aprender a tomar as rédeas da nossa vida, e a darmos a orientação correcta ao rumo que pretendemos seguir.
A visão está traçada, o caminho está definido.
Agora é só percorrê-lo.
Quando temos o caminho traçado, existem sempre desvios que são feitos.
No entanto, temos que estar concentrados e atentos, porque o que são pequenos desvios no início, se não forem corrigidos, podem tornar-se tão grandes que depois é complicado voltar ao percurso inicial.
Não percas o teu rumo.
Obrigado pela tua presença.
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